Fosfomicina

A fosfomicina, vendida sob a marca Monuril, entre outras, é um antibiótico usado principalmente para tratar infecções do trato urinário inferior.[1] Não é indicado para infecções renais.[1] Ocasionalmente é usado para infecções da próstata.[1] Geralmente é tomado por via oral.[1]

Embora o uso durante a gravidez não tenha sido considerado prejudicial, tal uso não é recomendado.[2] Uma dose única durante o período de amamentação parece ser segura.[2] A fosfomicina funciona interferindo na produção da parede celular bacteriana.[1]

A Fosfomicina foi descoberta em 1969 e aprovada para uso médico nos Estados Unidos em 1996.[1][3] Ela está na Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde.[4] A Organização Mundial da Saúde classifica a fosfomicina como criticamente importante para a medicina humana.[5] Ela está disponível como medicamento genérico.[6] Originalmente a fosfomicina era obtida a partir de certos tipos de bactérias Streptomyces, mas hoje é produzido por síntese química.[3]

Usos médicos

A fosfomicina é usada para tratar infecções da bexiga, onde geralmente é administrada em dose única por via oral.[7]

A fosfomicina oral não é recomendada para crianças com menos de 12 anos.[8]

Já foram propostos outros usos além das infeçcões do trato urinário[9] e o problema global do avanço da resistência antimicrobiana levou a um interesse renovado em seu uso.[10]

A fosfomicina pode ser usada como um para tratar infeções complicadas, incluindo a pielonefrite aguda. O regime padrão para as infecções complicadas é uma dose oral de 3g administrada uma vez a cada 48 ou 72 horas para um total de 3 doses ou uma dose de 6g a cada 8 horas por 7 a 14 dias quando a fosfomicina é administrada na forma IV.[11]

A fosfomicina intravenosa está sendo cada vez mais utilizada no tratamento de infecções causadas por bactérias multirresistentes, principalmente como uma droga parceira, a fim de evitar a ocorrência de resistências e aproveitar sua atividade sinérgica com outros antimicrobianos. A dose diária para adultos geralmente varia de 12 a 24 gramas.[12]

Resistência

O desenvolvimento de resistência bacteriana sob terapia é uma frequente e torna a fosfomicina inadequada para terapia sustentada. Mutações que inativam o transportador não essencial de glicerofosfato tornam as bactérias resistentes à fosfomicina.[13][14][15]

A prescrição de fosfomicina em conjunto com algum outro antimicrobiano reduz o risco de desenvolvimento de resistência por parte das bactérias. A fosfomicina atua sinergicamente com muitos outros antibióticos, incluindo cefalosporinas, carbapenêmicos, daptomicina e aminoglicosídeos.[12]

Já foram identificadas enzimas que conferem resistência à fosfomicina, sendo codificadas tanto cromossomicamente quanto em plasmídeos.[16]

Três enzimas de resistência à fosfomicina relacionadas (chamadas FosA, FosB e FosX) são membros da superfamília da glioxalase. Essas enzimas funcionam por ataque nucleofílico ao carbono 1 da fosfomicina, que abre o anel epóxido, tornando o fármaco ineficaz.

As enzimas diferem pela identidade do nucleófilo utilizado na reação: glutationa para FosA, bacilitiol para FosB,[17][18] e água para FosX.[16]

Em geral, as enzimas FosA e FosX são produzidas por bactérias Gram-negativas, enquanto FosB é produzida por bactérias Gram-positivas.[16]

FosC usa ATP e adiciona um grupo fosfato à fosfomicina, alterando suas propriedades e tornando a droga ineficaz.[19]

Efeitos colaterais

A droga é bem tolerada e tem uma baixa incidência de efeitos colaterais prejudiciais.[7]

Mecanismo de ação

Apesar do nome (que termina em -omicina), a fosfomicina não é um macrolídeo, mas sim um membro de uma nova classe de antibióticos fosfônicos. A fosfomicina é bactericida e inibe a biogênese da parede celular bacteriana ao inativar a enzima UDP- <i id="mwkQ">N''-acetilglucosamina-3-enolpiruviltransferase, também conhecida como MurA.[20] Esta enzima catalisa uma etapa na biossíntese do peptidoglicano, a ligação do fosfoenolpiruvato (PEP) ao grupo 3'-hidroxila da UDP-<i id="mwmA">N''-acetilglucosamina. Esta fração de piruvato fornece o ligante que faz a ponte entre o glicano e a porção peptídica do peptidoglicano. A fosfomicina é um análogo de PEP que inibe MurA por alquilação de um resíduo de cisteína do sítio ativo (Cys 115 na enzima Escherichia coli).[21][22]

A fosfomicina entra na célula bacteriana através do transportador de glicerofosfato.[23]

História

A fosfomicina (originalmente conhecida como fosfonomicina) foi descoberta em um esforço conjunto da Merck and Co. e da Compañía Española de Penicilina y Antibióticos (CEPA) da Espanha. Foi isolado pela primeira vez por triagem de culturas de Streptomyces fradiae isoladas de amostras de solo, analisando a capacidade de causar a formação de esferoplastos em bactérias em crescimento. A descoberta foi descrita em uma série de artigos publicados em 1969.[24] A CEPA começou a produzir fosfomicina em escala industrial em 1971 em suas instalações de Aranjuez.[25]

Fabricação

O agrupamento completo de genes biossintéticos de fosfomicina de Streptomyces fradiae foi clonado e sequenciado e a produção heteróloga de fosfomicina em Streptomyces lividans foi alcançada.[26]

A produção em larga escala de fosfomicina é conseguida fazendo um epóxido de ácido cis-propenilfosfônico, produzindo uma mistura racêmica.[27]

Referências

  1. a b c d e f «Fosfomycin Tromethamine Monograph for Professionals». Drugs.com (em inglês). Consultado em 29 de outubro de 2019 
  2. a b «Fosfomycin (Monurol) Use During Pregnancy». Drugs.com (em inglês). Consultado em 29 de outubro de 2019 
  3. a b Antibiotic and Chemotherapy E-Book (em inglês). [S.l.]: Elsevier Health Sciences. 2010. ISBN 9780702047657 
  4. World Health Organization model list of essential medicines: 21st list 2019. Geneva: World Health Organization. 2019. WHO/MVP/EMP/IAU/2019.06. License: CC BY-NC-SA 3.0 IGO 
  5. Critically important antimicrobials for human medicine 6th revision ed. Geneva: World Health Organization. 2019. ISBN 9789241515528 
  6. British national formulary : BNF 76 76 ed. [S.l.]: Pharmaceutical Press. 2018. pp. 560–561. ISBN 9780857113382 
  7. a b Patel SS, Balfour JA, Bryson HM (abril de 1997). «Fosfomycin tromethamine. A review of its antibacterial activity, pharmacokinetic properties and therapeutic efficacy as a single-dose oral treatment for acute uncomplicated lower urinary tract infections». Drugs. 53 (4): 637–56. PMID 9098664. doi:10.2165/00003495-199753040-00007 
  8. «MONURIL SACHETS 3G». Consultado em 26 de maio de 2014 
  9. Falagas ME, Giannopoulou KP, Kokolakis GN, Rafailidis PI (abril de 2008). «Fosfomycin: use beyond urinary tract and gastrointestinal infections». Clinical Infectious Diseases. 46 (7): 1069–77. PMID 18444827. doi:10.1086/527442Acessível livremente 
  10. Falagas ME, Grammatikos AP, Michalopoulos A (outubro de 2008). «Potential of old-generation antibiotics to address current need for new antibiotics». Expert Review of Anti-Infective Therapy. 6 (5): 593–600. PMID 18847400. doi:10.1586/14787210.6.5.593 
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