Osruxana

Coordenadas: 39° 46' N 68° 48' E

Osruxana

Usruxana • Usrusana • Osrushana •
Osrušana • Ošrusana

? — 893 

Mapa da Transoxiana no século VIII

Bunjicate está localizado em: Tajiquistão
Bunjicate
Localização no Tajiquistão de Bunjicate, a capital de Osruxana
Coordenadas de Bunjicate   39° 46' N 68° 48' E
Região Transoxiana
Capital Bunjicate
Países atuais Tajiquistão

Usbequistão

Localização entre Samarcanda e Cujanda, no que é hoje o leste do Usbequistão e o noroeste do Tajiquistão

Línguas soguedianopersa
Religiões zoroastrismo (até 822)

islão


Forma de governo Monarquia
Afexim
• c. início do século IX  Cavus
• ?–841  Caidar ibne Cavus

Período histórico Idade Média
• ?  Fundação
• 893  Anexação pelo Império Samânida
• fim do século X  Anexação da região pelo Canato Caracânida

Osruxana, Usruxana, Usrusana ou Osrusana (em persa: اسروشنه; romaniz.: Osrušana ou اُشروسنه, Ošrusana)[nt 1] foi uma antiga região da Transoxiana, na Ásia Central. O Principado de Osruxana foi um estado independente, governado por uma dinastia iraniana de origem soguediana, que existiu na região entre uma data desconhecida e 892 e cujos soberanos ostentavam o título de "Afexim" (Afšin). Ocupava o que é hoje uma parte do leste do Usbequistão e do noroeste do Tajiquistão. Estendia-se de sul para norte desde o curso superior do rio Zarafexã ou Nahr-e Ṣogd, a leste de Samarcanda, até ao grande meandro mais meridional do rio Zarafexã e às franjas ocidentais de Fergana (região de Cujanda). Para sudoeste e sul estendia-se até às montanhas Botamã (Bottamān) que separam a bacia superior do Amu Dária (rio Oxo) e dos seus afluentes pela margem direita do vale do Sir Dária (Jaxartes).[1]

O nome persa Osrušana foi usado para designar a região pelos invasores muçulmanos, mas o nome nativo exato não é claro nas fontes históricas. As formas usadas no Ḥodud al-ʿālam,[nt 2] indicam que o nome original era *Sorušna.[2] O nome Osrušana caiu em desuso no tempo das invasões mongóis.[1]

Descrição

Os geógrafos medievais descreviam a parte norte de Osruxana como uma região de pastagens e planícies férteis, com uma agricultura rica. A sul, as montanhas Botamã, que geralmente eram referidas como estando dependentes administrativamente do principado e cujos cumes mais altos se elevam a mais de 5 000 m, eram ricas em minerais. Ali se extraía ouro, prara, sal amoníaco e vitríolo, que eram exportados. Ainda mais importante era a extração de minério de ferro, que era usado para fabricar ferramentas e armas nas cidades de Marsmanda[nt 3] e Mānk (ou Mink),[nt 4] de onde eram exportadas, por vezes para locais tão distantes como Coração (na Pérsia) ou o Iraque.[1]

A urbanização era escassa, embora houvesse algumas cidades. A principal cidade da região e capital do principado, ou seja, o local de residência dos governantes, era Bunjicate, atualmente um sítio arqueológico no Tajiquistão, situado junto à aldeia homónima, situada a menos de 10 km em linha reta da fronteira com o Usbequistão e cerca de 20 km a sudoeste de Istarawshan (antiga Ura Tiube) e da entrada do vale de Fergana. Era uma cidade próspera e populosa no século X, cujo população masculina foi estimada em 10 000 habitantes pelo geógrafo árabe desse século ibne Haucal. Tinha uma cidadela, uma parte interior muralhada e um arrabalde igualmente muralhado, no qual se situava o edifício do governo (dār al-emāra). Ibne Haucal relata que os regatos que corriam das montanhas vizinhas eram usados para irrigação e faziam mover dez moinhos.[1]

A segunda cidade mais importante era Zānin (ou Sarsanda), outra cidade muralhada e fortificada que era um entreposto na estrada entre Samarcanda e Fergana. Jizaque (ou Dizak), outra das cidades de Osruxana situadas numa planície, foi um local onde se concentravam gazis e combatentes da fé, que dali faziam raides nas estepes dos turcos. Uma das várias arrábitas (rebāṭs) lá existentes foi construída por Caidar ibne Cavus (Ḵayḏar ibn Kāvus), o afexim mais conhecido da história, que também foi general ao serviço do califa Almotácime.[1] Devido à sua localização, várias rotas importantes atravessavam a região,[5] nomeadamente o caminho tradicional entre Samarcanda e Fergana,[1] pelo que era o local de passagem e de paragem de muitos viajantes.[nt 5] Durante a época dos califados omíada e abássida, foi uma zona de fronteira da Dar al-Islam ("Casa do Islão").[5]

Quando a expansão islâmica chegou à Transoxiana, no século VIII, Osruxana tinha uma dinastia local de príncipes iranianos. É possível que Botamã fosse uma região administrativa autónoma, já que há autores que dizem que tinha um maleque com um título curioso de Ebn Naʿnāʿ, que significa "possuidor de hortelã" e que provavelmente resultou duma corruptela ortográfica. O magnate soguediano Abul Saje Deudade (Abu’l-Sāj Divdād; m. 879), comandante militar ao serviço do califa Mutavaquil (847 861), que morreu em 879 cujos descendentes fundaram a dinastia sájida do Azerbaijão, era provavelmente originário de Botamã.[1]

História

Pintura mural encontrada em Bunjicate[7]

As primeiras menções históricas a Osrušana ocorrem nos relatos da conquista islâmica da transoxiana, iniciada em 712, durante o reinado do califa omíada Ualide I. O comandante da invasão, o governador de Coração Cutaiba ibne Muslim tentou, sem sucesso, conquistar o principado, lutando contra o que os cronistas chamaram os "trajados de negro".[1][8]

As várias tentativas seguintes de conquista por parte dos árabes tiveram algum sucesso relativo, ao ponto dos afexins de Osruxana se reconhecerem nominalmente vassalos do califado,[8][9] como ocorreu em 737. Nesse ano, o governador de Coração Asad b. Abdallāh al-Ghasrī atacou o principado e subjugou-o dois anos depois.[8][nt 6] Nácer ibne Saiar (Naṣr b. Sayyār), o último governador omíada de Coração, entre 738 e 748, invadiu Osruxana e assinou tratados com os governantes locais das regiões do curso médio e superior do Rio Sir Dária, que aparecem nas fontes árabes com o nome de degãs (dehqāns).[1] No entanto, na prática o domínio muçulmano foi pouco efetivo e efémero, pelo menos até à segunda década do século IX, e o principado continuou independente de facto. Vários governadores muçulmanos de Coração levaram a cabo raides na regiãos e receberam tributos dos seus governantes, mas a conquista efetiva tardou em acontecer.[8][9]

Após a ascensão ao poder dos abássidas, em 750, os príncipes de Osruxana declararam-se novamente vassalos do califa durante o califado de Almadi (r. 775–785), mas mais uma vez tal não passou duma formalidade sem efeito prático. a história repeitiu-se durante o califado de Harune Arraxide,[10] quando Alfadle ibne Iáia levou a cabo uma expedição em 794-795.[11] Nos anais dos Tangue é relatado que o soberano de Osruxana tentou, sem sucesso, obter o apoio dos chineses contra os árabes em 752.[1]

A região continou a resistir ao domínio muçulmano, por exemplo juntando-se à rebelião de Rafi ibne Alaite, ocorrida entre 806 e 809 e renegando os tributos acordados.[12] Cerca de 820 durante o reinado de Almamune (r. 813–833) em Bagdade, o afexim Cavus (Kāvus) submeteu-se ao califado e mesmo depois da morte do seu filho e sucessor, Caidar ibne Cavus, os seus descendentes continuaram a reinar em Osruxana, cunhando a sua própria moeda até 893, ainda que em teoria fossem vassalos do Império Samânida.[1] Nesse ano, o soberano samânida Ismail Samani (Esmāʿil b. Aḥmad; r. 892–907) anexou o principado ao seu império, passando a administrá-lo diretamente.[1]

A região continou a resistir ao domínio muçulmano, por exemplo juntando-se à rebelião de Rafi ibne Alaite, ocorrida entre 806 e 809 e renegando os tributos acordados.[12] Cerca de 820[1] (em 822 segundo alguns autores)[11] durante o reinado de Almamune (r. 813–833) em Bagdade, na sequência dum conflito interno, o afexim Cavus (Kāvus) submeteu-se ao califado e converteu-se ao islão. Cavus foi sucedido pelo seu filho Caidar (Ḵayḏar ibn Kāvus, Afšin Ḵayḏar ou Ḥaydar b. Kāvus,[1] que surge com o nome de al-Afšin na historiografia islâmica. Quando o seu pai se submeteu, Caidar já era oficial do exército abássida há vários anos, tendo-se distinguido quando estava ao serviço do irmão de Almamune, o futuro califa Almotácime, quando este era governador do Egito.[11]

Após a morte de Caidar, os descendentes de cavus continuaram a reinar em Osruxana, cunhando a sua própria moeda até 893, ainda que em teoria fossem vassalos do Império Samânida.[1] Nesse ano, o soberano samânida Ismail Samani (Esmāʿil b. Aḥmad; r. 892–907) anexou o principado ao seu império, passando a administrá-lo diretamente.[1] Com a queda do samânidas no final do século X, a região passou para as mãos dos turcos caracânidas e foi iniciado o processo de turquização, o qual só ficaria completamente concluído na parte norte no século XIX ou XX. Em meados do século XIX, a principal cidade da região, Ura Tiube, situava-se na zona de fronteira disputada entre os canatos de Bucara e de Cocande e em 1866 foi anexada pelo Império Russo. Pouco depois, o viajante e diplomata americano Eugene Schuyler descreveu a sua viagem pela região que outrora tinha sido Osruxana.[1]

Notas

  1. Outros nomes ou grafias para o topónimo da região são: Oshrusana, Osrusana, Osrushana, Ushrusana, Usruixana, Usrusana, Usrushana, Ustrushana, Sudujshana, Cao Ocidental, Istarawshan ou Istaravshan. Estes dois últimos deram nome a uma cidade atual do Tajiquistão, antes conhecida como Uroteppa e Ura Tiube.
  2. O Ḥodud al-ʿālam (ou Hudud al-Alam; nome completo: Hudud al-'Alam min al mashriq ila-l-Maghrib; tradução aproximada: "Limites do mundo de leste a oeste" ou simplesmente "Fronteiras do Mundo") é um tratado de geografia persa do século X dum autor desconhecido de Josjã.
  3. Marsmanda foi uma cidade conhecida pela sua indústria de armas e ferramentas nos séculso X a XII. A sua localização é incerta, mas uma das hipóteses é que se situasse na atual aldeia de Basmanda, no distrito tajiquistanês de Divashtich, 100 km a sudoeste de Cujanda.[3]
  4. Mink é identificada por alguns autores com Amainakāna,[4] mas não é claro se essa identificação se aplica também a Mānk e se algum destes topónimos é moderno.
  5. Atualmente, Bunjicate encontra-se numa das principais rotas por estrada entre Samarcanda e Cujanda, a cidade mais importante da extremidade ocidental do vale de Fergana, 216 km a leste–nordeste de Samarcanda e 100 km a sudoeste de Cujanda.[6]
  6. Bosworth 2005 não menciona o ataque de Asad b. Abdallāh al-Ghasrī.

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l m n o p q Bosworth 2005.
  2. Minorsky 1937, pp. 63, 115, comm. 354; citado em Bosworth 2005
  3. Stark 2006.
  4. Lurje 2017.
  5. a b Le Strange 1905, pp. 474–475. Kramers, Usrushana, pp. 924-925
  6. «Khujand, Tajikistan to Samarkand, Uzbekistan». Google Maps. Consultado em 9 de novembro de 2020 
  7. «Monumental painting in the palace complex of Bunjikat, the capital of medieval ustrushana 8th - early 9th centuries» (em inglês). www.artrussianbooks.com 
  8. a b c d Kramers, Usrushana, p. 925
  9. a b al-Tabari, Vol. 24, p. 173; Vol. 25, p. 148; Vol. 26, p. 31
  10. al-Iacubi 1883, p. 479; al-Tabari, Vol. 30, p. 143
  11. a b c Barthold 1960.
  12. a b al-Iacubi 1883, p. 528.

Bibliografia

  • Azarpay, Guitty (1981), Sogdian Painting: The Pictorial Epic in Oriental Art, ISBN 978-0-520-03765-6 (em inglês), University of California Press 
  • Barthold, W.; Gibb, H.A.R. (1960), «Afs̲h̲īn», in: Gibb, H. A. R.; Kramers, J. H.; Lévi-Provençal, E.; Schacht, J.; Lewis, B.; Pellat, Charles, Encyclopaedia of Islam, Second Edition, Volume I: A–B (em inglês), Leida: E. J. Brill, OCLC 495469456, doi:10.1163/1573-3912_islam_SIM_0350.  Cópia em archive.org. Consulta online em brillonline.com.
  • Blankinship, Khalid Yahya (1994), The End of the Jihâd State: The Reign of Hishām ibn ʻAbd al-Malik and the Collapse of the Umayyads, ISBN 9780791418277 (em inglês), Albany: State University of New York Press 
  • Bosworth, Clifford Edmund (2005), «Osrušana», Londres, Encyclopædia Iranica, edição online iranicaonline.org (em inglês), consultado em 9 de novembro de 2020 
  • Bosworth, C. Edmund (2011), «Afšīn», Londres, Encyclopædia Iranica, edição online iranicaonline.org (em inglês), I Fasc. 6: 589-591, consultado em 9 de novembro de 2020 
  • Bury, John Bagnell (1912), A History of the Eastern Roman Empire from the Fall of Irene to the Accession of Basil I (A.D. 802–867), Londres: Macmillan and Company 
  • Gibb, Hamilton Alexander Rosskeen (1923), The Arab Conquests in Central Asia (em inglês), Londres: The Royal Asiatic Society, OCLC 499987512 
  • Haldon, John (2001), The Byzantine Wars: Battles and Campaigns of the Byzantine Era, ISBN 0-7524-1795-9, Stroud, Gloucestershire: Tempus 
  • al-Iacubi, Amade ibne Abu Iacube (1883), Historiae (em inglês), 2, traduzido por Houtsma, Martijn Theodoor, Leida: E. J. Brill 
  • al-Iacubi, Amade ibne Abu Iacube (1892), de Goeje, Michael Jan, ed., Kitab al-Buldan (em inglês) 2.ª ed. , Leida: E. J. Brill 
  • Kennedy, Hugh Nigel (2001), The Armies of the Caliphs: Military and Society in the Early Islamic State, ISBN 0-415-25093-5 (em inglês), Nova Iorque: Routledge 
  • Kramers, J.H. (2000), «Usrūs̲h̲ana», in: Bearman, P. J.; Bianquis, Th.; Bosworth, C. E.; van Donzel, E.; Heinrichs, W. P., Encyclopaedia of Islam, Second Edition, Volume X: T–U, ISBN 978-90-04-11211-7 (em inglês), Leida: E. J. Brill, doi:10.1163/1573-3912_islam_SIM_7752.  Cópia em archive.org. Consulta online em brillonline.com.
  • Lurje, Pavel (2017), «Sogdiana ii. Historical Geography», Londres, Encyclopædia Iranica, edição online iranicaonline.org (em inglês), consultado em 10 de novembro de 2020 
  • Minorsky, V. (1937), «Comentário no "§17. The Tukhs"», Ḥudūd al'Ālam, `The Regions of the Worlds´. A Persian Geography. 372 A.H. — 982 A.D.. Translated and explained by V. Minorsky (em inglês), Oxford University Press, consultado em 9 de novembro de 2020 
  • Raffat, Donné; ʻAlavī, Buzurg (1985), The Prison Papers of Bozorg Alavi: A Literary Odyssey, ISBN 978-0-8156-0195-1 (em inglês), Syracuse University Press 
  • Stark, Sören (2006), «Archaeological Prospections in the Argly Valley System (Northern Tadjikistan) in 2006», Universidade Martinho Lutero de Halle-Vitemberga, Seminar for Oriental Archaeology and Art History (em inglês), consultado em 10 de novembro de 2020 
  • Le Strange, Guy (1905), The Lands of the Eastern Caliphate: Mesopotamia, Persia, and Central Asia, from the Moslem Conquest to the Time of Timur (em inglês), Nova Iorque: Barnes & Noble, OCLC 1044046 
  • al-Tabari, Abu Jafar Maomé (1989), Yar-Shater, Ehsan, ed., The History of al-Tabari. 40 vols (em inglês), Albany: State University of New York Press 
  • al-Tabari, Abu Jafar Maomé (1989), Yar-Shater, Ehsan, ed., The History of al-Tabari. Volume XXXIV: Incipient Decline, ISBN 9780887068744 (em inglês), traduzido por Kraemer, Joel L., Albany: State University of New York Press, consultado em 9 de novembro de 2020 
  • Treadgold, Warren T. (1997), A History of the Byzantine State and Society, ISBN 9780804726306 (em inglês), Stanford University Press