Renangate

Renan Calheiros acusado escândalo de corrupção.

Renangate é o apelido dado ao escândalo de corrupção envolvendo o senador alagoano Renan Calheiros (PMDB-AL), acusado de receber ajuda financeira de lobistas ligados a construtoras, que teriam pago despesas pessoais, como o aluguel de um apartamento e a pensão alimentícia de uma filha do senador com a jornalista mineira Mônica Veloso.

O apelido é uma referência ao Caso Watergate, escândalo de corrupção ocorrido nos EUA nos anos 1970 que resultou na renúncia do presidente republicano Richard Nixon. No escândalo brasileiro, Renan renunciou à presidência do Senado, porém, se manteve como senador.

Sobre o escândalo

Em junho de 2007, Renan Calheiros foi acusado de receber ajuda financeira de um lobista, Cláudio Gontijo. O assunto teve destaque na edição da Revista Veja, de circulação nacional, que chegou às bancas no dia 25 de maio de 2007. Na capa, apareciam o dono da empreiteira baiana Gautama, Zuleido Veras, o então Ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, e o próprio Calheiros.

Na quarta-feira da semana seguinte, 30 de maio, Renan foi ao plenário para se defender das acusações. Na primeira fileira estava sua esposa, Verônica. O senador apresentou vários documentos que supostamente comprovariam sua inocência no caso. Em seu discurso, disse que os advogados enviariam documentos sigilosos, como movimentações bancárias, à Corregedoria do Senado, e que não os tornaria público para preservar a identidade de pessoas sem envolvimento no caso.[1] Ao final da sessão, Verônica foi abraçá-lo.

Na época, acreditou-se que o Senador corria sério risco de cassação, com a PF mostrando o que considerou de "incoerências ideológicas" em sua defesa como vendedor de gado. Além disso, outra denúncia na revista Veja o colocou como cabeça de um esquema que usava laranjas por trás de negócios ilegais. A revista afirmou que o Senador se tornou dono oculto de duas rádios e um jornal em Alagoas, pagando um total de 1,3 milhão de reais em dinheiro vivo.

Votação no Senado

Renan Calheiros deixa o Senado após sessão em que foi absolvido

No dia 12 de setembro de 2007, realizou-se a portas fechadas e com voto secreto, a votação pela cassação do mandato do Senador Renan Calheiros.

O início da sessão foi atribulado. Treze deputados federais, liderados por Fernando Gabeira (PV-RJ) e Raul Jungmann (que era Ministro da Reforma Agrária em 1998 e atuou junto a Renan no caso de Eldorado dos Carajás), conseguiram autorização do Supremo Tribunal Federal para presenciar a sessão do Senado. No entanto, o senador Tião Viana (PT-AC) ordenara aos seguranças que detivessem qualquer pessoa alheia ao evento, o que gerou cenas de pancadaria na entrada do Congresso.

Por fim, os deputados conseguiram entrar. Dentro do plenário, horas depois, encontravam-se os oitenta e um senadores, dois funcionários da casa, os treze deputados e a ex-senadora Heloísa Helena, líder do PSOL, partido que impetrara as acusações. Segundo o jornalista Ricardo Noblat, do jornal O Globo (que não estava presente, mas alega que tinha "informantes" lá dentro), Renan tentou intimidar Heloísa Helena, Pedro Simon (PMDB-RS) e Jefferson Peres (PDT-AM).[2] Calheiros disse: Senadora Heloísa Helena, a senhora sonegou o pagamento de impostos em Alagoas. Deve mais de um milhão de reais. Tenho um documento aqui que prova isso. E nem por isso eu o usei contra a senhora. Sentada no meio do plenário, Heloísa gritou: É mentira! Mentira!

Em seguida, Calheiros dirigiu-se a Jefferson Peres e disse: Veja bem, Senador Jefferson Peres. Eu poderia ter contratado a Mônica [Veloso, ex-amante de Calheiros] como funcionária do meu gabinete, mas não o fiz, dando a entender que Peres contratara parentes para seu gabinete. O senador amazonense nada disse.

Por último, Renan se dirigiu a Pedro Simon: A Mônica Veloso tem uma produtora. Eu poderia ter contratado a produtora dela para fazer um filmete e pendurar a conta na Secretaria de Comunicação do Senado. Eu não fiz isso. Simon, da mesma forma que Peres, ouviu calado.

Dos 81 senadores, 40 votaram a favor de Renan, 35 contra e 6 abstiveram-se. O mínimo para que tivesse seus direitos cassados era de 41 votos, que é a maioria absoluta.

Em 4 de dezembro do mesmo ano, Renan foi novamente absolvido, tendo havido, dessa vez, 48 votos contra a cassação, 29 a favor e 3 abstenções.

Repercussões

Em viagem oficial à Dinamarca, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o importante é que a Casa volte ao funcionamento normal, votando projetos de interesse do país. "Temos a CPMF, temos a reforma tributária, temos coisas de interesse do brasileiro. É isso que conta na realidade".[3] Ao ser perguntado sobre a absolvição de Renan, respondeu: "Acho que nós precisamos acatar o resultado das instituições a que nós nos submetemos. Eu não posso admitir que eu só posso acatar o resultado quando favorece aquilo que eu pensava". Na noite anterior, quando soube do resultado da votação, o presidente preferiu não fazer nenhum comentário.

Diversos congressistas lamentaram a absolvição, dentre os quais Tasso Jereissati (PSDB-CE), Cristóvam Buarque (PDT-DF), José Agripino (DEM-RN), Álvaro Dias (PSDB-PR), Fernando Gabeira (PV-RJ), Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Demóstenes Torres (DEM-GO). Alguns aproveitaram para criticar as abstenções e creditá-las ao Partido dos Trabalhadores. Arthur Virgílio, senador pelo PSDB do Amazonas, disse que "a diferença [em favor de Renan] foram os seis votos safados pela abstenção. Seis votos calhordas de quem não tem coragem de absolver e nem de condenar".

Dois manifestantes, vestidos de presidiários, protestam diante do Congresso Nacional contra a absolvição de Renan Calheiros

Por outro lado, Ideli Salvatti (PT-SC), Wellington Salgado (PMDB-MG) e Romero Jucá (PMDB-RR) defenderam a decisão da maioria. Almeida Lima, senador pelo PMDB de Sergipe e aliado político de Renan, disse que "o Senado dá uma demonstração de força e mostra que não julga de acordo com pressões [externas]".

Renan Calheiros divulgou uma nota oficial afirmando que sua absolvição "foi uma vitória da democracia".

Em Alagoas, parte da população comemorou a absolvição de Renan. Renan Filho, prefeito de Murici e filho do senador, foi a Juazeiro do Norte, no Ceará, cumprir uma promessa ao Padre Cícero.[4] Houve queima de fogos e distribuição de bebidas aos moradores.

No resto do país, a reação foi, no geral, bem diferente. Em todos os sites que realizaram enquetes sobre a cassação, Renan perderia o cargo por placares esmagadores.

Segundo o Jornal Nacional de 13 de setembro de 2007, o site do Senado Federal ficou fora do ar por problemas técnicos durante boa parte do dia.[5] O serviço telefônico "Alô Senado" registrou cerca de 700 ligações, a maioria criticando os senadores, até que saiu do ar - também por problemas técnicos.

O papel da imprensa

O papel da imprensa no escândalo Renangate será sempre assunto de discussões. O estopim do caso ocorreu durante as investigações feitas pela Polícia Federal no caso que ficou conhecido como Operação Navalha, em que o então Ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, perdeu o cargo, mesmo sem ter havido prova concreta de seu envolvimento - apenas uma gravação feita pela PF de uma mulher saindo de seu gabinete com um papelão, no qual supostamente havia dinheiro.

Na sexta-feira, dia 25 de maio de 2007, A Revista Veja, publicada pela Editora Abril, em uma de suas edições mais polêmicas, pôs, em sua primeira página, fotos do empreiteiro Zuleido Veras, do então ministro Silas Rondeau e de Renan Calheiros. A reportagem alegava que "(…)a Operação Navalha, depois de cortar algumas cabeças, estava chegando ao pescoço de Renan Calheiros".

Foi essa edição da revista que fez com que o país inteiro descobrisse que Calheiros tivera uma relação extraconjugal com Mônica Veloso, e que tivera uma filha com a jornalista, cuja pensão era paga em dinheiro vivo, através de um lobista.

O Presidente do Senado foi obrigado a dar explicações, e tentou fazê-lo apresentando documentos que, conforme investigações posteriores comprovaram, não esclareciam a situação por completo. Além disso, o discurso de Calheiros no Senado deu a entender que a reportagem de Veja estaria interessado também em destruir seu casamento com Verônica Calheiros, que estava presente no plenário nesse dia, e que, portanto, a imprensa estaria indo além do seu papel constitucional. Seus adversários no Congresso alegam, entretanto, que esse discurso foi uma estratégia de Renan e de sua esposa para transformar o escândalo político em um mero bafafá extraconjugal.[6]

Emblemática, nesse sentido, foi a conversa entre o apresentador Jô Soares e a cientista política e jornalista Lúcia Hippolito, no Programa do Jô do dia 27 de junho.[7] Soares perguntou a Lúcia se um Senador da República pode ter relações extraconjugais. Lúcia, numa declaração polêmica, foi taxativa ao afirmar que não, de forma alguma um Senador poderia ter feito o que Calheiros fizera, pois o ocupante de um cargo de tamanha importância deveria dar o exemplo.

No mesmo programa, Jô Soares lembrou o discurso de Renan no Senado no dia 30 de maio, quando chamou de "calvário" o momento pelo qual passava. Soares perguntou a cada uma de suas convidadas - além de Hippólito, Lilian Witte Fibe, Cristiana Lôbo e Ana Maria Tahan - quais eram seus apelidos na infância. "A filha do Renan vai ser chamada pelos coleguinhas de Calvário. Esse apelido é o pior de todos", concluiu Jô.

A opinião dos jornalistas

No dia seguinte à absolvição de Renan, Paulo Henrique Amorim escreveu, em seu blog, que "a Veja, a Globo, o Estadão, a Folha e O Globo e seus inúmeros e inúteis colunistas jogaram todas as fichas na cassação".[8] A forte afirmação de Amorim é apenas o estopim para a abertura do debate sobre o papel da imprensa no caso Renangate.

Lúcia Hippólito, no mesmo dia, perguntou, em seu blog: "Mídia golpista ou sociedade civil indignada?",[9] e cita manchetes de vários jornais de 13 de setembro de 2007, como O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense e Zero Hora.

Reinaldo Azevedo foi taxativo: a tal "mídia" não existe — é só uma teoria conspiratória de larápios, confrontando a posição de Paulo Henrique Amorim, por ele denominado um "anão do jornalismo" e "lambe-botas do Planalto".[10]

O caso dos 41 senadores

O fato de maior destaque envolvendo a imprensa no caso Renangate foi o caso dos 41 senadores. No dia da votação, 12 de setembro, a Folha de S.Paulo estampou matéria divulgando que 41 senadores teriam votado pela cassação. No plenário, falou-se em 35 senadores votando pela saída do senador (seis a menos do que o divulgado pelo jornal paulista). Em entrevistas, os 41 senadores mencionados pela Folha declararam ter votado pela cassação.

Senadores que declararam votar pela cassação[11]

Saída de Renan Calheiros

No dia 11 de outubro, Renan anunciou que solicitou uma licença de 45 dias da presidência do senado, em uma entrevista gravada à TV Senado. Em dezembro, Renan Calheiros renunciou ao cargo de presidente, mas manteve o mandato de senador.

Referências

  1. «Folha Online - Renan mantém sigilo sobre documentos e diz que deseja viver "calvário" sozinho» 
  2. «Blogue do Noblat – Renan intimidou senadores» 
  3. «Estadão.com.br – DEM e PSDB ajudaram a salvar Renan Calheiros, diz petista» 
  4. «G1 – Filho de Renan paga promessa e cidade natal tem queima de fogos» 
  5. «Site do Jornal Nacional - Senado recebe protestos dos eleitores» 
  6. «Yahoo! Notícias - "Homem é mesmo muito besta!", diz Verônica Calheiros». Consultado em 1 de agosto de 2009. Arquivado do original em 29 de junho de 2007 
  7. «A volta do quadro "Meninas do Jô"» 
  8. «Blogue de Paulo Henrique Amorim». Consultado em 17 de maio de 2019. Arquivado do original em 7 de julho de 2008 
  9. «Blogue de Lúcia Hippolito» 
  10. «Veja on-line: Blogue de Reinaldo Azevedo – A vitória dessa tal "mídia"». Consultado em 1 de agosto de 2009. Arquivado do original em 20 de abril de 2008 
  11. «Terra - Confira como votaram os senadores»