Teorema de Darboux

Em análise real, o teorema de Darboux, cujo nome se refere ao matemático francês Gaston Darboux, afirma que as derivadas de funções deriváveis satisfazem a propriedade dos valores intermédios: a imagem de um intervalo é novamente um intervalo.

Enunciado

Seja I um intervalo de R e seja f uma função derivável de I em R. Então f′(I) é um intervalo de R.

Uma maneira equivalente de formular a conclusão do teorema é: se a,b ∈ I e se y ∈ R for tal que y está entre f′(a) e f′(b) (ou seja, f′(a) ≤ y ≤ f′(b) ou f′(a) ≥ y ≥ f′(b)), então existe algum c entre a e b tal que f′(c) = y.

Também se pode centrar o enunciado em f′ e não em f, ficando:

Seja I um intervalo de R e seja f uma função primitivável de I em R. Então f(I) é um intervalo de R.

Vê-se então que este teorema generaliza o teorema dos valores intermédios pois, pelo teorema fundamental do Cálculo, qualquer função contínua é primitivável. Por outro lado, há funções primitiváveis que são descontínuas. É o caso, por exemplo, da derivada da função f : R R {\displaystyle f:\mathbb {R\rightarrow \mathbb {R} } } dada por

f ( x ) = { x 2 sin ( 1 x ) , se  x 0   0 , se  x = 0. {\displaystyle f(x)={\begin{cases}x^{2}\sin \left({\frac {1}{x}}\right),&{\text{se }}x\neq 0\ \\0,&{\text{se }}x=0.\end{cases}}}

Na verdade,

f ( x ) = { 2 x sin ( 1 x ) cos ( 1 x ) , se  x 0   0 , se  x = 0 , {\displaystyle f'(x)={\begin{cases}2x\sin \left({\frac {1}{x}}\right)-\cos \left({\frac {1}{x}}\right),&{\text{se }}x\neq 0\ \\0,&{\text{se }}x=0,\end{cases}}}

é descontínua em x = 0 {\displaystyle x=0} por não existir o limite de f ( x ) {\displaystyle f'(x)} quando x {\displaystyle x} tende para 0. Então f {\displaystyle f'} é primitivável (e, portanto, envia intervalos em intervalos), apesar de ter uma descontinuidade na origem.

Demonstração

Vai-se começar por fazer a demonstração no caso em que y = 0 e em que f′(a) ≥ 0 ≥ f′(b). Quer-se então provar que f′(c) = 0, para algum c entre a e b. Naturalmente, se f′(a) = 0 ou f′(b) = 0 então nada há a provar. Vai-se agora supor que f′(a) > 0 > f′(b).

Resulta de se ter f′(a) > 0 e da definição de derivada que existe algum d entre a e b tal que f(d) > f(a). Pelo mesmo argumento, que existe algum d′ entre a e b tal que f(d′) > f(b). Por outro lado, a restrição a [a,b] da função f tem um máximo em algum ponto c (pelo teorema de Weierstrass) e, pelo que foi visto, c não pode ser igual a a nem a b. Logo f′(c) = 0.

O caso em que y = 0 e em que f′(a) ≤ 0 ≤ f′(b) é análogo.

Finalmente, o caso geral resulta dos casos particulares já demonstrados aplicados à função g definida por g(x) = f(x) − y.x.

Descontinuidades

Seja f : I R {\displaystyle f:I\rightarrow \mathbb {R} } , em que I {\displaystyle I} é um intervalo aberto, a derivada de uma função F : I R {\displaystyle F:I\rightarrow \mathbb {R} } diferenciável em I {\displaystyle I} . Isto é, F ( x ) = f ( x ) {\displaystyle F'(x)=f(x)} para cada x I {\displaystyle x\in I} .

Como se viu num exemplo acima, a verificação da propriedade do valor intermédio não impede que f {\displaystyle f} admita descontinuidades no intervalo I {\displaystyle I} . Porém, o teorema de Darboux tem implicações imediatas no tipo de descontinuidades que f {\displaystyle f} pode ter.

Notemos que este tipo de questão se põe igualmente, embora de maneira diferente, a propósito do teorema de Lebesgue na integrabilidade de uma função à Riemann num intervalo [ a , b ] {\displaystyle [a,b]} .

Na verdade, de acordo com Walter Rudin,[1] se c I {\displaystyle c\in I} for uma descontinuidade de f {\displaystyle f} então necessariamente:

  • I) c {\displaystyle c} não é uma descontinuidade removível;

(isto é, f ( c ) , f ( c + ) R {\textstyle f(c^{-}),f(c^{+})\in \mathbb {R} } , e f ( c ) = f ( c + ) f ( c ) {\textstyle f(c^{-})=f(c^{+})\neq f(c)} ).

  • II) c {\displaystyle c} não é uma descontinuidade em salto;

(ou seja, f ( c ) , f ( c + ) R {\textstyle f(c^{-}),f(c^{+})\in \mathbb {R} } , mas f ( c ) f ( c + ) {\textstyle f(c^{-})\neq f(c^{+})} ).

Isto significa que c {\displaystyle c} tem necessariamente de ser uma descontinuidade essencial segundo a terminologia inserida por John Klippert.[2]

Porém, outras duas situações devem igualmente ser excluídas (ver John Klippert[3]). Deve também ter-se:

  • III) f ( c + ) ± {\displaystyle f(c^{+})\neq \pm \infty } .
  • IV) f ( c ) ± {\displaystyle f(c^{-})\neq \pm \infty } .

Podemos então afirmar que as únicas descontinuidades admissíveis por f {\displaystyle f} são as descontinuidades essenciais fundamentais, ou seja, aquelas em que pelo menos um dos limites laterais, f ( c + ) {\displaystyle f(c^{+})} ou f ( c ) {\displaystyle f(c^{-})} , não existe em R ¯ = R { ± } {\displaystyle {\overline {\mathbb {R} }}=\mathbb {R} \{\pm \infty \}} . Isto significa que se nalgum ponto c I {\displaystyle c\in I} , a função f {\displaystyle f} possuir uma descontinuidade que não seja deste tipo, então f {\displaystyle f} não é primitivável no intervalo I {\displaystyle I} .

Referências gerais

  • Agudo, F. R. Dias, Análise Real (3 volumes), Lisboa: Escolar Editora, 1994
  • Ostrowski, A., Lições de Cálculo Diferencial e Integral (3 volumes), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981

Referências particulares

Controle de autoridade
  1. Rudin, Walter. Principles of Mathematical Analysis. [S.l.]: McGraw-Hill,. p. 109, Corollary. 
  2. Klippert, John (1989). «Advanced Advanced Calculus: Counting Discontinuities of a Real-Valued Function with interval Domain». Mathematics Magazine (62): 43-48. 
  3. Klippert, John (2000). «On a discontinuity of a derivative». International Journal of Mathematical Eduacation in Science and Technology (31:S2): 282-287.