Tradição polícroma da Amazônia

A Tradição Polícroma da Amazônia é uma unidade taxonômica, criada pelos arqueólogos, para definir um conjunto de cerâmicas da pré-história sul-americana, mais especificamente da Amazônia Legal. Sua principal característica é o uso da policromia como aspecto decorativo no corpo de utensílios cerâmicos, principalmente o uso de pintura vermelha e preta sobre um engobo branco.

Seus aspectos decorativos já haviam chamado a atenção dos espanhóis, no início da exploração na amazônia no século XVI. Segundo o frei Gaspar de Carvajal, que acompanhava a expedição de Francisco de Orellana, após uma invasão de uma aldeia na região do atual município de Codajás (nomeada por ele de Aldeia da Louça), ele descreve sobre a cerâmica encontrada:

"Havia nessa povoação uma casa de diversões, dentro da qual encontramos muita louça dos mais variados feitios: havia talhas e cântaros enormes, de mais de vinte e cinco arrobas, e outras vasilhas pequenas como pratos, escudelas e candeeiros, tudo da melhor louça que já se viu no mundo, porque a ela nem a de Málaga se iguala. É toda vidrada e esmaltada de todas as cores, tão vivas que espantam, apresentando, além disso, desenhos e figuras tão compassadas, que naturalmente eles trabalham e desenham como o romano.[1]

É a tradição cerâmica com maior dispersão pela amazônia, sendo subdivida em fases cerâmicas conforme o seu contexto arqueológico e região encontrada. Essa tradição cerâmica foi utilizada pela primeira vez, como categoria de classificação, por Howard em 1947 (Polychrome Division of Amazonia)[2] e trabalhado melhor como Tradição Polícroma da Amazônia por J. P. Brochado e D. Lathrap na década de 1980.[3]

Alguns arqueólogos acreditam que essas fases cerâmicas possuem um mesmo centro de origem e que estariam fortemente ligado ao surgimento dos grupos indígenas da família linguística Tupi-Guarani. O primeiro a propor a ideia de que uma origem tupi seria na região amazônica foi Landislau Netto em 1885.[4] Atualmente, acredita-se que tanto essa tradição cerâmica, como a expansão dos povos tupi-guarani, tenha se originado na região entre o rio Madeira e o rio Guaporé, no estado de Rondônia.[5][6] Nessa região amazônica, foram encontrados as datas mais antigas para a Tradição Polícroma (150 a.C.) e seria o centro de domesticação de plantas como a mandioca (Manihot esculenta) e a pupunha (Bactris gasipaes).[7]

Coloração presente

Os artesãos utilizam uma variedade de materiais, como fibras naturais, sementes, cascas de árvores e penas de pássaros, para criar cestarias, joias, máscaras e outros objetos decorativos. Essas peças geralmente apresentam uma ampla gama de cores vibrantes, refletindo a abundância da natureza amazônica.[2]

Fases cerâmicas

Os cacicados amazônicos (amazônidas) ceramistas:

  • Fase Marajoara (termo generalizado) na foz do rio Amazonas.[8][9][10] Subdivida em fases distintas conforme níveis de ocupação e desenvolvimento da sociedade: Ananatuba, Mangueiras, Formiga, Acauã,[11] Alta Marajoara e, Aruã.[12] Algumas ocorrências também na região do Tapajós.[8]
  • Fase Apuaú, Fase Guarita, Fase Samambaia e Fase Manauacá no baixo e médio rio Negro, baixo rio Japurá e Amazônia Central.[13][14][15]
  • Fase Tefé e Fase São Joaquim no médio e alto rio Solimões.[15]
  • Fase Borba e Fase Jatuarana no médio e baixo rio Madeira.[13][16]
  • Fase São João no alto rio Negro.[17]
  • Fase Independência, Fase Cacarapí e Fase Criajó no baixo rio Xingu[18]
  • Fase Tauá no baixo rio Tocantins.[13]
  • Fase Marmelos, Fase Pupunha e Fase Jatuarana no alto rio Madeira.[13][19]
  • Fase Pirapitinga no alto rio Solimões.[15]
  • Fase Napo no rio Napo.[20].
  • Fase Araracuara no rio Caquetá.[21]
  • Fase Caimito no médio e alto rio Ucayali e rio Huallaga.[22]
  • Fase Zebu e Fase Nofurei no alto rio Solimões e alto rio Japurá.[21]
  • Fase Koriabo e Fase Cajuaçu na foz do rio Amazonas e do rio Orinoco.[23]

Referências

  1. C. Mello-Leitão - Gaspar de Carvajal, Alonso de Rojas e Cristobal de Acuña. Descobrimentos do rio das Amazonas. Traduzido e anotado por C. Mello-Leitão. Cia Editora Nacional, São Paulo, 1941."
  2. a b George D. Howard - Prehistoric ceramic styles of Lowland South America, their distribution and history. Yale University Publications in Anthropology, vol. 37, pp.5-95. London, New Haven, 1947
  3. Jose Proenza Brochado e Donald W. Lathrap - Amazônia. Departament of Anthropology, University of Illinois at Urbana-Champaing. Ms, 1980
  4. Landislau Netto - Investigações sobre archeologia brazileira. Archivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro, 6:257-554. Rio de Janeiro, 1885
  5. Aryon Rodrigues - A classificação do tronco lingüístico Tupi. Revista de Antropologia, Vol. 12, São Paulo, 1964.
  6. Pedro Ignácio Schmitz - Migrantes da Amazônia: a Tradição Tupiguarani. Arqueologia do Rio Grande do Sul, Brasil. Documentos (São Leopoldo) 5; pp. 31-66, 1991.
  7. Charles Clement - 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources I: the relation between domestication and human population decline. Economic Botany 53(2), 1999a.
  8. a b Robert L. Carneiro (2007). «A base ecológica dos cacicados amazônicos». Revista de Arqueologia da Sociedade de Arqueologia Brasileira: 117-154 
  9. Denise Schaan - Into the labyrinths of Marajoara pottery: Status and cultural identity in prehistoric Amazonia. In McEwan, C.; Barreto, C. & Neves, E.G., Unknown Amazon: Culture in nature in Ancient Brazil. London: The Brithish Museum, 2001.
  10. Betty Meggers e Clifford Evans - Archaelogical investigations at the mouth of the Amazon. Smithsonian Institution Bulletin No 167. Washington: Smithsonian Institution Press, 1957
  11. Denise Pahl Schaan (2000). «Evidências para a permanência da cultura marajoara à época do contato europeu». Revista de Arqueologia 
  12. Sílvio de Oliveira Torres (4 de abril de 2014). «O brazil não conhece o Brasil - Arte Marajoara.». Blog Lavrapalavra 
  13. a b c d Mario Simões et al. - Revista de Arqueologia 4(1), Publicação do Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG, 1987.
  14. Michael Heckenberger et al. - De onde vem os modelos? A arqueologia da origem Tupi e Guarani, Revista Antropologia, 41 (1), Universidade de São Paulo, 1998.
  15. a b c Peter Paul Hilbert - Archäologische Untersuchungen Am Mittlern Amazonas, Berlim: Dietrich Reimer Verlag, 1968.
  16. Eurico Miller et al. - Arqueologia nos empreendimentos hidrelétricos da Eletronorte; resultados preliminares. Brasília: Eletronorte, 1992.
  17. Mário Simões - Contribuição à arqueologia dos arredores do baixo rio Negro, Amazonas. Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas 5, Resultados preliminares do quinto ano: 1969-1970. p.p. 165-188. Museu Paraense Emilio Goeldi, Publicações Avulsas 26, Belém, 1974.
  18. Celso Perota - Adaptação agrícola no baixo Xingu. In: Meggers, B. J., Prehistoria Sudamericana: Nuevas Perspectivas: 219-229. Washington: Taraxacum, 1992.
  19. Eurico Miller et al. - Arqueologia nos empreendimentos hidrelétricos da Eletronorte; resultados preliminares. Brasília: Eletronorte, 1992.
  20. Betty Meggers e Clifford Evans - Archaeological investigations on the rio Napo, eastern Ecuador. Washington: Smithsonian Institution Press, 1968
  21. a b Herrera et al. - Datos sobre la arqueologia de Araracuara (Comisaría del Amazonas Colombia). Revista Colombiana de Antropologia 23: 183-251, 1980
  22. Donald Lathrap - O Alto Amazonas, Lisboa: Verbo, 1975.
  23. A. Boomert - Koriabo and the Polychrome Tradition: the late-prehistoric era between the Orinoco and Amazon mouths. In Late Ceramic Age Societies in the Eastern Caribbean, ed. Andre Delpuech and Corinne L. Hofman. Oxford: Archaeopress, 2004.
  • v
  • d
  • e
Grupos étnicos
Tronco tupi
Macro-jê
Outros grupos
Culturas
arqueológicas
Organizações
Tópicos relacionados
*: extintos; ?*: reivindicados; "aspas": grupos heterogêneos
Portal:Povos nativos do Brasil
  • Portal da arqueologia